Omissões da legislação, abusos de autoridade do Poder Judiciário e a falta de garantia para direitos não regulamentados não são males sem cura. Muitas vezes a solução para esses problemas estão nos chamados Remédios constitucionais, tema do painel 4 da 22ª Conferência Nacional dos Advogados, realizado na tarde desta segunda-feira, dia 20. A legitimidade do Supremo Tribunal Federal (STF) para estabelecer normas na falta de parâmetros previstos em lei foi um dos assuntos mais debatidos na mesa presidida pelo ex-ministro da Justiça Bernardo Cabral. Os palestrantes também teceram considerações sobre o imenso número de recursos de habeas corpus que chegam aos tribunais superiores e propuseram alternativas para evitar a paralisia da Justiça.
O ministro do STF Teori Zavascki reconheceu que constantemente criam-se conflitos entre o Judiciário e o Legislativo por conta de casos omissos na legislação. Ele citou o exemplo da regulação das relações homoafetivas, reconhecidas pela corte, mas até hoje sem uma deliberação do Congresso. Mesmo que obstáculos políticos impeçam deputados e senadores de votar projetos sobre o tema, os ministros foram buscar na própria Constituição a base para assegurar a uma minoria os benefícios já assegurados aos casais heterossexuais, observou Zavascki.
De acordo com o ministro, até o juiz de primeira instância precisa interpretar a lei e inevitavelmente criar normas quando julga os casos concretos.
"Nem sempre a legislação prevê todas as situações da vida. Quando o juiz julga, ele não pode alegar que há lacuna ou obscuridade da lei", explicou.
O professor de Direito Constitucional Eduardo Furtado de Mendonça ressaltou, por sua vez, que a própria Constituição já assegura ao STF a prerrogativa de preencher as lacunas na legislação. Os instrumentos do mandado de injunção e as ações diretas de inconstitucionalidade visam a solucionar as eventuais omissões ou conflitos legislativos, observou. Segundo Mendonça, o fato, muitas vezes criticado, de o Judiciário "legislar", acaba forçando os parlamentares a deliberar. Ele citou o exemplo da chamada Lei da Ficha Limpa, que mobilizou a sociedade e o Congresso depois que houve uma demanda ao STF.
"A atuação criativa do Judiciário é legítima. Gera reações da sociedade e de outros poderes", afirmou o constitucionalista.
Outro tema tratado foi o grande número de habeas corpus impetrados nas cortes superiores. Citando estudo do professor da Fundação Getúlio Vargas Thiago Bottino, o jurista Miguel Reale Júnior ressaltou que, só em 2013, o Superior Tribunal de Justiça julgou 31 mil pedidos, enquanto o STF apreciou cinco mil recursos do tipo. Reale defendeu um entendimento entre ministros, desembargadores e juízes para que esse número seja reduzido.
"É trágico se verificar que o HC tenha que ir parar nos tribunais superiores. Normalmente, isso se deve a uma visão restritiva de direitos e normas por parte das primeiras instâncias", avaliou.
O ministro do STJ Rogério Schietti também defendeu uma redução no volume de pedidos de habeas corpus que entravam os tribunais em Brasília. Ele destacou que já passaram pelo STJ mais de 300 mil recursos do tipo.
"Quando eu era membro do Ministério Público, atribuía esse problema aos excessos dos advogados. Mas hoje, como magistrado, vejo que a parcela de responsabilidade deles é pequena. O Poder Judiciário é o maior responsável", afirmou Schietti.
O conselheiro federal da OAB Fernando Santana Rocha abordou o direito de defesa dos réus como um fator essencial do Estado de Direito. Ele afirmou que o princípio muitas vezes é confundido com uma mera formalidade, ou seja, com a prerrogativa de o acusado se manifestar nos autos de um processo. No entanto, para a realização da justiça e para se assegurar efetivamente os valores democráticos, observou, é preciso que as alegações dos litigantes e dos acusados sejam levadas em conta nas sentenças. Rocha também entende por direito de defesa o acesso às informações por parte dos advogados.
"O papel do advogado na garantia do Estado Democrático de Direito é fundamental", afirmou.
Membro do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, Emerson Garcia explorou novos instrumentos de "remédios constitucionais" ainda não muito difundidos no país, que são as ações populares e as ações civis públicas. Enquanto a primeira pode ser movida por cidadãos, a segunda está restrita a associações. No entanto, ambas visam a se garantir direitos coletivos. Segundo ele, são armas da sociedade que podem não só preservar o patrimônio histórico e o meio ambiente, como se garantir a moralidade administrativa.
Tribuna do Advogado/OAB-RJ